Nhô Quim Drummond

Nhô Quim Drummond
Historiador

terça-feira, 13 de março de 2018

O Teatro em Sete lagoas III

O dia em que o morto ressuscitou em cena.




Jornal Mensagem – Coluna Piquetes 21/01/1959

Joaquim Dias Drummond

Como dissemos em nossa última crônica: à diplomacia do Zé Lolô ficamos a dever o que o que os nossos reiterados esforços não conseguiram alcançar. Ele era secretário do Agente Executivo Municipal e isto lhe dava uma parcela de autoridade.
O Teatro passou a ser um bem comum dos dois grupos dramáticos que porfiavam em proporcionar a Sete Lagoas bons espetáculos.
As recitas se sucediam alternadamente e pouco a pouco foi engrossando de cada lado, o número de torcedores. A rivalidade era grande e os choques de opiniões criavam clima propicio para discussões acaloradas. Os componentes de um grupo, para assistirem aos espetáculos do outro disputavam as primeiras filas de cadeiras, e de lápis em punho, anotavam as gafes que ocorriam durante as representações para depois comentá-las com sarcasmo.
A crítica era severa e aos rivais não se perdoava o menor deslize. Isto porem, longe de levar o desanimo as hostes adversarias, constituía um estimulo de reciproco proveito.
O teatro evoluía. Os ensaios constituíam verdadeiras aulas práticas de dicção, de atitude, de gestos. Boa escola, indiscutivelmente. Alguns amadores já se compraziam em imitar autênticos atores, raspando os bigodes e deixando crescer fartas cabeleiras, esmeradamente tratadas. Contudo, faltava-nos alguma coisa.
No futebol, jamais poderá haver progresso de técnica, se o time não tiver um treinador competente. No teatro de amadores sucedia o mesmo. Um ensaiador hábil era, por isto mesmo, disputado a bom preço. Isto compreendeu logo o grupo “Melanciense” que conseguiu por intermédio de um amigo de Santa Luzia, o concurso do velho e grande ator português Antônio Palhares.
A nova rebentou como uma bomba de retenção, no campo de nossos adversários. Subestimavam o valor de tal cooperação. A ator Palhares, diziam, era demasiado velho e certamente “não daria no couro”. Queriam ver o que de novo poderíamos apresentar.
Surdos a tais clamores, ensaiamos, discretamente, peças de grandes montagens, como “Os Milagres de Santo Antônio”, “José do Telhado” e “Gaspar, o Serralheiro”, delas participando com retumbante sucesso, o grande ator Palhares. Seria desnecessário acrescentar que, a essa altura dos acontecimentos, a rivalidade atingiria seu ponto máximo. Previmos desde logo, que a reação não se faria por esperar.
O Grupo “João Caetano” iniciou os ensaios do notável drama “O Poder do Ouro”. A propaganda foi feita em grande estilo. O Teatro superlotou. Plateia, literalmente cheia, camarotes e torrinhas, apinhados. Nós do “Melanciense”, lá estávamos, nas primeiras filas. Grandes e pequenos acorreram ao Teatro. Autentica noite de gala. A ansiedade aumentava de momento em momento.
Executada a sinfonia que precedia os grandes espetáculos, o pano de boca foi levantado, lentamente. Naquela época ainda não se usavam as cortinas, de fácil manejo. O nosso pano, para se manter bem estendido, tinha guarnecido, na parte inferior, um cano de ferro de uma polegada.
Pesava, de fato. Na peça, o João Andrade representava o papel de ferrenho adversário do Galdino Moura, interpretando outro personagem. Odiavam-se, mutuamente. O encontro entre ambos seria fatal, e realmente foi. Após acirrada troca de desaforos, o João fuzilou o Galdino, a queima-roupa. Queda bem ensaiada. O Galdino cambaleia, avança, retrocede e cai estatelado no tablado. Estava morto! A plateia aplaude delirantemente os amadores e o pano desce como um raio. Galdino, que “morrera” de costa, percebe a iminência do perigo e levanta-se, de um salto. É que, ao cair fizera-o sem pensar na posição do cano de ferro. Este particular não fora previsto, os ensaios prolongados.
Uma gargalhada estrepitosa, pôs fim ao grande espetáculo. O morto ressuscitara! ...
E o “Melanciense”? Bem, o nosso dia também chegaria...

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