Nhô Quim Drummond

Nhô Quim Drummond
Historiador

quarta-feira, 14 de março de 2018

O Teatro em Sete Lagoas IV



 Coluna Piquetes -  Jornal Mensagem  28/01/1959

Joaquim Dias Drummond



“O Poder do Ouro” teria constituído o ponto máximo da trajetória artística do João Caetano, se o cano de ferro não tivesse ameaçado a integridade física do Galdino Moura. 
O susto fora enorme. Ante o perigo iminente de um impacto de imprevisíveis consequências, nenhum “defunto” aguentaria, por maior que fosse seu amor à arte. O Galdino mandou muito bem. O poder do ferro jamais poderia suplantar o Poder do Ouro, privando tragicamente o João Caetano de uma das suas mais promissoras revelações.
O Galdino iria longe no culto de uma arte que começava a projetar alguns valores em nossa terra. Os dias foram passando lentamente e os comentários em torno da “ressurreição” diminuindo ao mesmo ritmo. A expectativa voltava-se para o próximo espetáculo do Melanciense cujos ensaios prosseguiam animados de portas fechadas.
O ator Palhares esmerava-se no apresto das últimas providências. O Milagre de Santo Antônio era peça de grande montagem, e por isso mesmo, exigia o concurso de outros amadores que não figuravam no nosso conjunto artístico. O recrutamento fora feito com o cuidado exigido pelas nossas responsabilidades.
Esteves, o “galã da companhia” estava soberbo no seu complicado e difícil papel de Lúcifer. Alzira de Freitas deslumbrante na sua encarnação do anjo Gabriel. José Meirelles fazia uma ponta, como se diz em linguagem teatral, mas tinha a sua responsabilidade definida: -velava pela integridade moral da ingênua, confiada à sua guarda.
Como quase todos os brasileiros valorizava o produto nacional. Tomava a sua “providência” em doses homeopáticas, mas gostava dela. No dia do espetáculo ele se excedera em suas libações, mas jamais poderíamos que viesse a comprometer o desempenho da peça em seu conjunto.
A aparição de Lúcifer, cuspido inopinadamente de um alçapão acionado a muque era precedida de forte estrondo, e o gênio do mal sorria envolto em uma nuvem de fumo e de fogo. Em tal momento o Meirelles que velava pela sorte da Donzela teria que dar um grito estarrecedor e fugir apavorado, propiciando entrada triunfal do anjo Gabriel.
Mas o Meireles não se assustou com a barulhenta aparição de Lúcifer. Tirou uma linha nele. Bamboleante caminhou em sua direção, e batendo-lhe nas costas, disse-lhe com a voz arrastada:  ̶  Olá seu diabo como vão as comidas lá pelo inferno?
Foi a conta. Lúcifer estranhou aquela camaradagem e agarrando Meireles pelo cos das calças o retirou de cena aos trambolhões. A plateia delirou pensando que aquilo era da peça. Nós suávamos frio por detrás dos bastidores. O João Caetano exultava com nosso insucesso. Estava vingado.
Em clubes de amadores sempre houve e haverá dessas coisas. São inevitáveis e só não as perdoa, os amantes da mesma arte, desde que militem em campos opostos.
Os Melancienses não podiam sair à rua sem que ouvissem a cada passo o comprimento escárnio:  ̶  Olá seu diabo, como vão as comidas? Aquilo já nos enchia com x maiúsculo como dizia um velho torcedor do Metalusina. Com o correr do tempo e a esponja mágica que limpa o quadro negro da vida, tudo foi sendo esquecido, e os clubes entraram em decadência.
Américo Esteves e os filhos mudaram-se para Belo Horizonte. Alzira de Freitas casara-se com Ataíde Murce, e deixou de ser o Anjo Gabriel para ser o anjo do seu lar. Sulfumiro de Freitas foi buscar em Montes Claros aquela que seria a sua fiel cara-metade.
Nós que participamos ativamente destas lutas e competições sem ódio e sem rancores, continuamos a nossa caminhada então ao lado de João Andrade, únicos remanescentes das duas agremiações que marcaram uma época feliz de nossa terra. Não fomos os melhores mas conservamos sempre acesa a flama de entusiasmo que passamos às novas gerações.

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